O meu tio Diamantino
Hoje, sonhei com o meu tio Diamantino, Tino, como carinhosamente era conhecido pelos familiares e amigos. Diamantino, era o primogénito da avó Lourdes, mas o segundo filho do avô Manuel. O avô Manuel era viúvo quando casou com a avó Lourdes, e já tinha um filho do seu primeiro casamento, o tio Manuel, Manel como lhe chamávamos. O tio Manel era igual ao pai, uma cópia quase perfeita, até tinha o habito de abanar ligeiramente a perna, quando estava sentado e a tinha traçada sobre a outra. Um dia, disse-me que eu tinha uma beleza parecida com a da Brooke Shields, eu, que na infância me sentia uma Quasimodo, porque as minhas primas tinham uma beleza impossível de alcançar, era aquela coisa estranha, de olhos gigantes, com cabelo preto, asa de corvo, como a minha mãe costumava dizer. Ora, normalmente as pessoas não gostam muito dos corvos, a sorte é que eu os adoro, acho-os belos e interessantes, muito inteligentes, por isso, levarei a observação da minha mãe, que me comparava com as minhas primas, levarei essa observação como um elogio. Asa de corvo, lindo! Até parece poesia.
Mas como eu estava a dizer, o tio Manel dizia, portanto, que eu era bela, e ninguém concordava com ele, mas ele olhava para mim, tocava-me no nariz, e dizia em tom suave e quase como se falasse só para mim em segredo: - Um dia vais ser ainda mais bonita que a Brooke Shields. Eu, sorria baixinho, cúmplice de um segredo que me era precioso, não querendo dar a entender que concordava com aquela observação quase absurda do tio Manel. Na verdade, não queria enfurecer a minha tia Celeste e muito menos a minha prima Patricia, que estava habituada a ser a mais bela de todas as belas, e a minha tia Celeste, certificava-se de que todos compreendiam bem isso, que a sua filha era a mais bela de todas as belas! E era. Talvez hoje ainda seja.
A dado este momento, cá estou, em 2024 recordando memórias, algures passadas nos anos 80 onde todos estávamos vivos e felizes, e as lágrimas, começam a encher os meus olhos…
O meu tio Diamantino, o pai da minha linda prima Patricia - a mais bela - digo baixinho, só para eu ouvir, (porque os meus filhos dormem no quarto em frente, não os querendo acordar), e quase que a vejo, através das minhas lágrimas, que a esta altura, já me escorrem pelo rosto. Que mulher linda e inteligente te terás tornado! Aposto que continuas a mais bela, de todas as belas. Patricia.
Bom, o meu tio Diamantino, este texto hoje é sobre ele, pois tive um sonho, daqueles que, não são apenas um sonho, mas tão real como a vida. Sonhei que tinha o meu carro estacionado em frente a sua casa, e que lhe telefonava, pois queria visitá-lo, ao fim de quase vinte anos de eu ter desaparecido, sem me ter despedido, ou sequer ter dito adeus…
O meu tio Diamantino, era belo, o mais belo dos irmãos, tinha cabelos pretos, e uns olhos gigantes, de um azul, que nunca vi em mais ninguém no mundo! Era o tio Tino, calado, sorridente, e por vezes divertido, sério também, não dava muita confiança, sofria, por um amor proibido. Todos nós sabíamos, quem ele amava verdadeiramente, até a minha tia Maria Celeste, mas talvez não seja muito delicado falar disso por aqui, nunca se sabe, não vá a asa de corvo ser lida por mais do que uma pessoa, e envolver alguém, em palavras que podem até não corresponder à verdade transparente da coisa. Mas, apenas referi, para vos envolver na personagem, de quem era o meu tio Tino.
Um homem do mar, tinha um barco, que quase poderia dizer, que era a sua vida. Passava todos os sábados, na doca de Pedrouços, a cuidar do barco. Inicialmente, era um barco em madeira, tipo traineira, mas mais pequeno, impecavelmente cuidado e pintado. Anos passados, o tio Tino, comprou um barco a motor, vermelho, com volante e tudo! Adorava estar sentada na proa, quase que os meus pés tocavam na água. Sorriamos, salpicados pelas gotas frescas do mar. Riamos, alto, muito alto, quando pelo barco se cruzava uma onda. Que alegria sentia! Felicidade, da mais pura.
O tio Tino, queria em tempos ser engenheiro, aliás, era mesmo o seu sonho, mas avó Lourdes, para ela sendo o filho mais velho, não permitiu que ele estudasse, pois tinha de trabalhar para ajudar com as despesas da casa. Isto sei, porque me foi contado pela própria avó Lourdes, que muito se culpava de o ter feito, pois em tempos, quando o tio, ainda não era tio, o Diamantino, pedira à sua mãe, que ainda não era avó, a mãe Lourdes, de joelhos, chorando, implorando de mãos em prece, por favor, que não o tirasse da escola. A avó Lourdes, que ainda era só mãe, uma mulher dura, fazia o que era preciso ser feito, e ali, era preciso o filho mais velho ganhar dinheiro para ajudar em casa. A avó Lourdes, foi-se sempre tornando mais dura com a vida… estou a guardar-me, para escrever uma obra prima sobre esta Senhora, de quem tive o privilégio de receber educação e de quem me preparou tão bem, para enfrentar as vicissitudes da vida.
O tio Tino acabou por vir a ser o engenheiro da sua própria vida, digo isto porque, ele era o melhor engenheiro que alguma vez já conheci, pois era daqueles que construí-a com as mãos, e o esforço dos seus braços, as suas casas, e tudo o que conseguia fazer, era construir e melhorar, restaurar e inventar. O tio Tino, não era um engenheiro de obras feitas, mas sim O Engenheiro. Aquele que fazia magia acontecer. Que homem inteligente, trabalhador e correto, é o meu querido tio Diamantino!
Então, voltando ao sonho, lá estava eu, de carro estacionado, em frente a sua casa e com o telefone na mão, tentando decidir: - Telefono, ou não?
Telefonei, atendeu a tia Celeste - “Estás viva?! Que é feito de ti? Nunca mais disseste nada. Não sabemos nada de ti!” Nesta altura, o meu tio Tino, tira-lhe o telefone das mãos e começou a falar comigo, apenas disse: - “Sobe, vem cá ver o tio.”
Neste momento, começa a ser difícil ver as letras do teclado, ver que está escrito no ecrã, pois choro muito, profundamente, baba e ranho, até diria, e apenas uma palavra, que é mais uma emoção que uma palavra, me ocorre - desculpem.
O que gostaria de dizer, seria algo como: - Desculpem, ter desaparecido sem nunca ter dito nada, o tempo passou, e cada vez se torna mais difícil voltar. Porque não sei o que dizer, e porque…sou diferente… peço desculpa… perdão até… por ser asa de corvo … desculpem.
Muitas vezes pergunto-me, se voltasse, como me receberiam? Penso, e creio acertadamente pensar, que o meu pai terá feito, vezes sem conta, a mesma pergunta a si mesmo, quando também ele, em tempos, se afastou.
No sonho nada disse, o meu tio apareceu à porta do prédio para me receber, de braços abertos me envolveu, num abraço quente e paternal. A luz que nos envolvia, era tão doce e brilhante, dourada, uma luz que desconheço neste plano terrestre em que nos encontramos. Senti um calor, morno, envolver todo o meu ser. Não tenho como descrever o que senti naquele momento em que o meu tio me recebeu, tão calorosamente, nos seus braços. Depois, olhou para mim, e, embora não tenha dito, eu vi e senti, no seu sorriso e olhar, que ao olhar para mim, ele via o meu pai, o seu mano mais novo, o que já cá não está. O que disse, sorrindo e sem falar, foi: - “És a cara do teu pai rapariga.” - Ao que eu respondi, sem palavras também, apenas nos olhando e sorrindo de lágrimas nos olhos de ambos: - Eu sei.
Sei, porque me vejo ao espelho todos os dias, e, é o meu pai que vejo refletido no espelho, pergunto-me: - Como é possível?
A minha tia Celeste, apareceu, e logo começou a falar, sorria e dizia muitas palavras, como sempre, esticando os braços, dando-me leves toques com as mãos e direcionando-me para casa, fazia muitas perguntas, às quais apenas, eu a olhava e sorria, sentindo muito carinho e um profundo sentimento de gratidão. O meu tio tocáva-me ao de leve no rosto, olhávamo-nos nos olhos, profundamente, as palavras ali, naquele instante, não eram necessárias. Não era só eu que ali estava diante dele, eram todos, que ali estavam à sua frente, eu e todos os que já partiram.
A determinada altura, estava eu e o meu tio, ele entregava-me um chaveiro, tinha várias chaves, pareceu-me que no sonho, seriam as chaves da sua casa, ele mostrava-me uma a uma, dizendo qualquer coisa sobre cada chave, mas não me lembro o que me disse. Apenas fragmentos do sonho poderia descrever aqui, pequenos fragmentos, que vou guardar para mim, pois corro o risco de os esquecer, ao tentar descreve-los. Sei que em todo este tempo, alguém me acompanhava, uma figura masculina, que esteve sempre ao meu lado neste sonho, mas que não consigo identificar quem seja...
Quando acordei, senti vontade de chorar, por tantos motivos… também disse baixinho: - Tio, acho que estou em apuros. Mas eu sei resolver. Sou capaz. A avó ensinou-me.
Depois disto, chorei. Ainda continuo a chorar, enquanto escrevo. É o que faço, afinal, escrever é o que sei fazer.
Pergunto-me, se ainda estarás entre nós, tio Diamantino? Não me lembro da última vez em que nos vimos. Para mim tudo passou. O passado, permanecerá no passado. E lá não voltarei.
Talvez um dia, nos encontraremos todos no teu barco, outra vez, lá onde o avô Manuel, o tio Manel, a avó Lourdes, as tias, o meu pai, o primo Ludgero, e tantos outros, lá onde eles estão agora.
Um dia, faremos um passeio pelas águas mornas do Algarve, todos juntos outra vez. E todos, estaremos bem, vivos e felizes.
"We are the Sultans
We are the Sultans of Swing"