Março

Buendía! Se o inverno parece interminável, o mês de março parece ter vindo para ficar. Tempestade após tempestade e tudo fica tranquilo, essa é que é a verdade. Começo por dizer em minha defesa, que a tempestade purifica o ar, por isso gosto dela. Vamos lá ver, quais são os motivos que me fazem gostar tanto de um belo dia de tempestade:

Fica tudo silencioso, só se ouve o vento, a chuva e o crepitar das chamas, queimando a madeira, que arde lentamente na lareira.

Para mim é o suficiente. Tudo quieto. Gosto. Além disso, dá-me para pensar e, por vezes, até me faz sentir falta das coisas de verão, que é a altura do ano que menos gosto, porque é precisamente o oposto do inverno.

Bom, claro que, trabalho em casa e isso será algo que não assiste a todos. Acreditem, bem sei as dores de ter de apanhar duas horas de transito, IC19 durante 10 anos da minha vida, para chegar ao trabalho e estar 10 horas num escritório a compor facturas e outras tarefas que tais. Depois, mais duas horas de transito para chegar a casa, isto tudo sem incidentes/acidentes a meio caminho andado. Eu sei, acreditem, vivi tudo isso durante grande parte da minha vida. Sabem, quase me custou a mesma. Uma noite de inverno, estava de regresso a casa, autoestrada de Cascais, que era um desvio para encurtar o bocadinho o caminho da IC19, muito transito, muito, mas de repente, as coisas avançam um bocadinho e do nada, surgem dois carros no “picanço” e desenrola-se uma cena de filme. Enfim, tive de me chegar para a berma, enquanto duas criaturas se batiam, violentamente, batendo com as laterais dos carros lado a lado, para depois seguirem caminho em aceleração desenfreada. Ainda encostada à berma, em plena auto-estrada, senti uma forte dor no peito, que parecia não querer passar. Tentei respirar fundo, mas foram precisos alguns minutos para me recompor. De olhos fechados, com a mão no peito, amparando o coração, inspirei e quando deixei o ar sair pensei:

- Tenho de sair daqui. Não posso mais viver assim.

Foi aqui, que todo o processo de mudança começou. Nunca mais voltei.

Sinto falta de algumas coisas da cidade, como encontrar-me sempre com alguém conhecido por onde quer que passa-se, ir à biblioteca, ginásio, café… essas coisas não as faço por aqui, mas nunca mais senti dores no peito, nunca mais desesperei horas sem fim no escritório, com um trabalho que poderia ser feito a partir de casa e sem desperdiçar tantas horas da minha vida. Horas e horas perdidas! 14. 600 horas passadas numa fila de trânsito durante 10 anos, fora as 29 200 horas passadas fechada num escritório sentada numa cadeira em frente a um computador, isto em 8 anos da minha vida. Não estou a contar com os anos de trabalho e deslocações de anos anteriores, porque comecei a trabalhar aos 18 anos, estes últimos 10 anos de Lisboa é que foram para esquecer, foram os piores, estava mesmo muito cansada. Foi o fim da picada. Ou saía ou morria.

Demorou mas consegui mudar de vida. Agora tenho uma vida tranquila e digo:

- Graças a Deus!

Agora, acordo e, tranquilamente, abro as janelas de para em par, dou de comer ao gatos, preparo um chá, abro a porta à Babushka, vou lá fora e enquanto bebo o chá quente, não penso em nada, apenas observo o céu, a igreja, a buganvília, os pardais, os pintassilgos, as rolas, os tordos, os melros, as abelhinhas, as minhoquinhas… olho para esta casa que tanto acho bonita, com todos os seus traços de centenária e penso: - Não existe melhor sítio onde estar que aqui e agora. E dou graças a Deus.

A igreja é algo curioso, porque adoro igrejas e aqui vim encontrar uma que vejo todos os dias, quando abro as janelas, quando passo de um lado para o outro da casa pelo quintal. Sinto-lhe a presença em todos os instantes do meu dia e noite, sei que ali está, sei que a posso ver sempre que quiser.

À noite vejo as estrelas e as constelações, os planetas distantes, ouço a coruja cantar e vejo os morcegos dançar, passeando-se pela lua que brilha, brincando com as sombras lentas que se movimentam silenciosas e se espalham, parecendo sussurrar. O Sr caracol, a Dona lesma e lesmita sua filhinha, o Sr sapo com a sua jovem família de sapinhos pequenitos que por vezes por aqui passam. Um dia, sem querer, empurrei um dos sapinhos pequenitos com o pé, assustei-me porque pensava que era uma folha e quando vi que se tratava de um sapinho, que eu tinha empurrado, quase com um pontapé, disse bem alto assustada: - Ai Jesus nosso Senhor!

Por esta expressão me ter saído tão espontaneamente, constato que a nossa educação e o meio em que crescemos, se mantém sempre connosco e vai para além da razão que poderemos vir a adquirir no futuro em adultos, que com conhecimento das coisas começamos por questionar, fazendo-nos procurar outras respostas, que não aquelas que nos calavam temporariamente, lá no passado, para depois logo virmos com outras. A vida o que é afinal? E Deus quem é? O que é? Onde está?

Bom, “ai Jesus nosso Senhor” era uma expressão que a minha avó usava com frequência, quando eu lhe fazia esse tipo de perguntas ou quando a avó Lourdes ficava muito indignada com o meu comportamento irreverente e tempestuoso.

- ”Louvado seja Deus! Ai, válha-me nossa senhora! Válha-me o anjo da guarda!” - dizia a avó Lourdes com as mãos na cabeça, que abanava sem saber o que fazer. Por vezes ia andando devagarinho, como se estivesse a passar mal, caminhava segurando-se nas coisas, punha a mão direita no peito e sentáva-se numa cadeirinha pequenina de madeira e palha, que era nossa quando éramos pequeninos, ali ficava, a expressar indignação, com as mãos na cabeça que abanava de um lado para o outro, sem saber o que me dizer, mas sem conseguir ralhar. Eu, ficava um pouco preocupada e, observava os gestos da avó Lourdes, enquanto caminhava de costas e depois se sentava. Esperava em silencio, porque sabia que com aquilo, tinha calado a avó Lourdes e eu gostava de ficar com a última palavra. Passado alguns instantes, depois da avó Lourdes se recompor, olhava para mim com um ar cansado, de olhos ainda mal abertos e dizia:

- "Oh filha, onde é que vais buscar essas coisa? Quem te disse isso?” - e com carinho, sentindo-se mais calma, continuava: - “Diz à avó, com calma, diz à avó quem te põe essas coisas na cabeça.”

E eu, com o nariz impinado, pondo o dedo indicador direito na cabeça, enquanto respondia: - São coisas da minha cabeça, sou eu que as tenho cá dentro.

🐸

O sapinho ficou bem e continuou caminho, mas antes cumprimentou-me com os seus olhinhos engraçados e lá foi.

A vida no campo é diferente, as pessoas também. Precisamos de nos habituar, mas na verdade, acabamos por nos sentir divididos, sem saber onde pertencemos ou onde desejamos estar.

Comecei o mês de março, meio que desconcentrada sem conseguir concluir tarefas que requerem atenção, a concentração nível zero, foi a custo que la me fui organizando.

Comecei por ver uma série, que por vezes tropeçava na Netflix mas que ignorava com algum snobismo, por causa do nome, que em português parece algo sem graça, Ana com A, não entendo? É claro que Ana se escreve com “A”! O título original é Anne With an E parece fazer um pouco mais sentido, porque Anne também pode ser Ann ou Anna e, também Hanna ou Hannah, aqui já no hebraico. Bom, lá vi a série e gostei muito. Anne With an E é uma produção canadiana, de Moira Walley-Beckett criada para a CBC e Netflix em 2017. É uma adaptação da obra literária Anne of Green Gables de Lucy Maud Montgomery de 1908.

Gostei particularmente, de aprender sobre como se vivia no Canadá na época de 1886, pois a série permeia-nos com adereços e costumes utilizados nesta época. O guarda-roupa é absolutamente fantástico! Aprendemos tanto com o enredo desta maravilhosa história, que nos vai sendo contada através da inocência de uma menina irreverente e sofrida, que ultrapassando as dificuldades que lhe foram sendo impostas vida, aprende a ultrapassar a diferença e preconceito e vai construindo amizades verdadeiras, aprendendo a viver em comunidade, respeitando o espaço de cada um. Um romance alegre, leve mas com muita História pelo caminho.

Depois vi o filme In The Heart of The Sea é um filme de Ron Howard de 2015 e retrata a verdadeira história de Moby Dick, em que Melville se inspirou para escrever o livro Moby Dick. Também disponível na Netflix. Esta adaptação para cinema é inspirada no livro In the Heart of the Sea: The Tragedy of the Whaleship Essex de Nathaniel Philbrick, que por sua vez, se inspirou na história de Melville Moby Dick, para escrever este livro. Livro que fiquei com vontade de ler…

E então, foi aqui que vi a primeira parte da série Cem Anos de Solidão de Laura Mora Ortega e Alex Garcia López, uma adaptação do livro Cem Anos de Solidão de Gabriel García Márquez. Que série fantástica! Muito fiel ao livro, com um elenco maravilhoso, que nos deixa com vontade de ler o livro. Para quem já o tinha lido acredito que sinta vontade de relê-lo, para quem ainda não o tinha lido, como eu, vai com certeza sentir vontade de o ler. Foi o que fiz, neste mês de março chuvoso, como nunca se viu por aqui, dediquei o meu tempo de leitura ao livro Cem Anos de Solidão e fiquei rendida em Macondo. O livro consegue ser melhor que a série. A série está disponível na Netflix, mas deixo aqui o link para o trailer porque não resisto. Podes ver o trailer aqui .

Vi também uma série bem interessante, inspirada em factos reais, sobre as crianças que foram retiradas às suas famílias, das tribos nativas do Canadá e Estados Unidos. Durante anos, estas crianças foram levadas contra a sua vontade e dos pais, para serem colocadas em colégios internos religiosos e adoptadas por outras famílias, sem os pais saberem. Esta série retrata a história verídica da família Little Bird, que em 1960 lhes foram retirados três filhos e, anos mais tarde uma das meninas, já adulta, fez de tudo para encontrar os irmãos e a família que ela nunca esqueceu. A Série tem o mesmo nome Little Bird e está disponível na Filmin. Muito elucidativa.

E por fim, vi Dias Perfeitos de Wim Wenders. E que filme! Ma-ra-vi-lho-so! Começou como um documentário e acabou como uma obra prima. Sim senhor, Sr. Wim Wenders, muito bom. Este senhor não pára de me surpreender. O filme perfeito sobre a felicidade. Não preciso dizer mais nada. Este está disponível no YouTube, mas sem legendas. Acontece que não precisam delas para compreender, pois esta obra prima entende-se com o coração. Podem ver aqui .

E a banda sonora deste filme, deliciosamente fantástica! Ouvir aqui 🎶.

E um dia perfeito para mim, é passá-lo na praia com os pés na areia e no mar 🌊

E o teu? Como é um dia perfeito para ti?

🪻🐝

Veja o vídeo sobre este tema, no canal do Contém Livros no YouTube 

Até breve!

Maria

Maria Antonieta Campos

Olá! Sou a Maria Antonieta Campos, mãe de três, poetisa, produtora de conteúdos digitais. Em 2019 mudei-me com os meus filhos, para uma casa algures numa aldeia de Portugal. Desde então, passo muito tempo na cozinha, cozinhando e ouvindo música, despertando os meus sentidos para a vida doce e para o bem comer. Pacifista, amante da Natureza e de tudo aquilo que fazemos parte, encontro na vida do campo um modo slow de viver, aprendendo a ser autónoma e a ultrapassar a cada dia, as dificuldades que uma rapariga nascida e criada na cidade, naturalmente encontra ao chegar à aldeia. Livros e pão são a minha paixão, paz é o meu lema. O Contém Livros surgiu aqui, nesta casa em 2020 com uma etiqueta colada na testa, que ao fim e ao cabo, esta etiqueta, diz quase tudo sobre mim…

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